Uma conversa com Miguel Simal, Susana Romana, Henrique Oliveira com moderação de Vasco Monteiro que começou sobre “o que é isto de ser argumentista”, o que levou a uma interessante dicotomia com a qual qualquer argumentista se poderá identificar: a necessidade de ser um eremita capaz de trabalhar de forma solitária, ao mesmo tempo que é capaz de ser social e trabalhar com 40, 50 ou mais pessoas durante o processo colaborativo que envolve sempre a criação de ficção.

Sobre se preferiam criar e escrever as próprias ideias ou pegar nos conceitos de outras pessoas e desenvolver todo o universo, a tónica foi posta na necessidade de cumprir sempre um briefing, apesar do gosto de criação do universo, desenvolvimento da ideia e guiões. Para Henrique Oliveira – que produz, realiza e escreve – produzir ideias próprias é mais fácil, mas não fecha a porta a outros autores. “Estou sempre a ler livros que acho que se podem adaptar, adoro colaborar com outros autores. Tenho neste momento em desenvolvimento 2 projetos apresentados por 2 argumentistas. Os dois projectos são fabulosos. Apresentei-os inclusivamente agora no “Séries Mania” e todos os que lêem, gostam, o que é bom.”
Falou-se do processo de escrita, das ideias que caem por terra e todo o processo colaborativo que envolve a criação de ficção, entre os mais diversos departamentos: artístico, realização, produção e todas as áreas técnicas que põe um argumento de pé.
“Há personagens que escrevi há 10 , 15 anos que, de vez em quando, tenho saudades delas. Dá-me vontade de ligar a personagens e saber como é que eles estão. Mas elas não estão, porque não existem mesmo.”
Miguel Simal
Ainda houve tempo para falar um pouco da indústria de séries em Portugal, o que falta ou pode melhorar e, principalmente como todos devemos estar envolvidos e a trabalhar para que esta indústria (ainda novinha) se mantenha e cresça. Miguel Simal resumiu a linha ascendente da indústria de séries: “Há cerca de 8 anos a estratégia da RTP mudou [e começou a apostar] em séries. Hoje em dia, a OPTO, também produz. A TVI também abriu a porta às séries. Já há muitas produtoras a trabalhar, há muitas pessoas a escrever. Estamos a começar.”
Em Portugal é indiscutível que a indústria de telenovelas está estabelecida e forte: há canais interessados, distribuidores, produtoras, público e os canais optam muitas vezes por estes formatos ou por formatos de séries já testados lá fora (em detrimento de ideias originais) para minimizar o risco. Ainda assim, Susana Romana sintetizou o que o painel sentia: “[na indústria de séries em pt] Já há um bocadinho mais de “arriscar” mas ainda temos uma indústria que é muito bebé. […] Sinto que ainda vamos com muito medo à bola”.”
“Temos uma indústria bastante adulta de novelas com prémios internacionais importantes. Acho que desvalorizamos muito os Emmy’s que temos em telenovelas.”
Miguel Simal
Para Henrique Oliveira, tudo passa por um abrir de caminhos: as co-produções de sucesso acontecem e abrem caminho; as séries portuguesas na Netflix ou HBO abrem caminho a outra; cada série que conquista público abre caminho a que a seguinte tenha luz verde de um canal e é assim que devemos continuar. Do público surgiu uma pergunta sobre o fantasma do fim do investimento dos grandes streamers em ficção europeia que também assusta, claro… Mas já se faziam séries em Portugal antes dessa hipótese de financiamento. “Diz-se que as séries da RTP não fazem bons números nas audiências, mas depois no online correm bem, nas plataformas correm bem, o que significa que há público e público português a procurar conteúdos portugueses.”, disse Henrique Oliveira sobre o relacionamento do público nacional com a sua própria ficção. Susana Romana também referiu a importância do público: “Temos todos de fazer um esforço [para manter esta indústria] e isso inclui o público. Quando o público decide ver ou não ver, está a influenciar diretamente o mercado. Conheço pessoas que me dizem com orgulho que não vêem séries portuguesas porque não vêem televisão [e isso quer dizer que] fazem parte do problema. […] O público não deve ver uma série portuguesa por pena, mas também não deveria não ver à partida por preconceito.” rematando “A parte boa das pessoas não verem séries portuguesas é que não há spoilers a circular na internet.”
“Para quem quer apresentar uma ideia, é essencial ter um documento com o universo, o conceito, um episódio piloto é essencial. E depois um pitch dec que tenha mais informação das personagens, imagem, fotografia,… “
Henrique Oliveira
A sala foi enchendo de argumentistas, entusiastas, aspirantes ou curiosos (alguns deles com interessantes perucas, não vamos mentir). A quem assistiu, pedimos apenas desculpa por termos ultrapassado a hora de fim, mas a conversa estava boa.
Falámos de séries, telenovelas, cinema… e de ovos.
Sim, falámos um pouco de ovos e de todos os pratos que, em Portugal, se conseguem fazer sem eles.

